Século XX
1901: Alberto Bessa, em A Gíria Portuguesa, define a capoeira como
“jogo de mãos, pés e cabeça, praticado por vadios de baixa esfera (gatunos)”.
1910: Revolta da Chibata, motim negro ocorrido em quatro navios, na Baía de Guanabara, Rio de Janeiro, contra o suplício e a tortura ainda existentes na Armada, vestígios da mentalidade oligárquica escravista.
Em Salvador, desde a década de 1910, ocorre a criação de "escolas de capoeira", evidentemente clandestinas. No Rio, na mesma época, os capoeiristas cariocas também possuíam espaços reservados ao treinamentos da luta, alguns deles freqüentados inclusive pela fina-flor da elite, segundo o testemunho de Inezil Penna Marinho:
"Aqui no Rio, Sinhozinho mantém uma academia no Ipanema, destinada aos moços grã-finos que desejam ter algum motivo para se tornar valentes".
1912: Chega a “hora final” para as maltas do Recife, coincidindo com o nascimento do frevo; o passo, que é a movimentação do frevo, é filho da capoeira; como nos conta Edison Carneiro (Cadernos de Folclore, 1971), "a hora final chegou para as maltas do Recife mais ou menos em 1912, coincidindo com o nascimento do frevo, legado da capoeira (melhor diria 'o passo', que é a dança; o frevo é a música que o acompanha). As bandas rivais do Quarto (4o. Batalhão) e da Espanha (Guarda Nacional) desfilavam no carnaval pernambucano protegidas pela agilidade, pela valentia, pelos cacetes e pelas facas dos façanhudos capoeiras que aos saracoteios desafiavam os inimigos: 'Cresceu, caiu, partiu, morreu!' A polícia foi acabando paulatinamente com os moleques de banda de música e com seus líderes, Nicolau do Poço, João de Totó, Jovino dos Coelhos, até neutralizar o maior deles, Nascimento Grande".
Entre 1920 e 1927: Sob a administração do temido delegado de polícia Pedro de Azevedo Gordilho, lembrado pela memória popular da capoeira e do candomblé baianos como "Pedrito", intensificou-se a perseguição aos capoeiras na Bahia. Além do toque de berimbau chamado Cavalaria que, ao simular o tropel dos cavalos, denunciava a aproximação do conhecido Esquadrão de Cavalaria da polícia, a memória dessa perseguição está presente ainda hoje na seguinte cantiga, coletada por Waldeloir Rego:
"Toca o pandeiro,
Sacuda o caxixi
Anda depressa
Qui Pedrito
Evém aí"
Sacuda o caxixi
Anda depressa
Qui Pedrito
Evém aí"
As
primeiras décadas do século XX marcam o ápice da perseguição policial movida
contra os capoeiristas da Bahia. Quando Manoel dos Reis Machado (o mestre
Bimba) começou a aprender capoeira, na Estrada das Boiadas, bairro da Liberdade,
em Salvador, a capoeira ainda enfrentava acirrada perseguição, conforme contava
o próprio Bimba:
"Naquele tempo, capoeira era coisa para carroceiro, trapicheiro, estivador e malandros. Eu era estivador, mas fui um pouco de tudo. A polícia perseguia um capoeirista como se persegue um cão danado. Imagine só, que um dos castigos que davam a capoeiristas que fossem presos brigando era amarrar um dos punhos no rabo de um cavalo e outro em cavalo paralelo. Os dois cavalos eram soltos e postos a correr em disparada até o quartel. Comentavam até, por brincadeira, que era melhor brigar perto do quartel, pois houve muitos casos de morte. O indivíduo não agüentava ser arrastado em velocidade pelo chão e morria antes de chegar ao seu destino: o quartel de polícia".
"Naquele tempo, capoeira era coisa para carroceiro, trapicheiro, estivador e malandros. Eu era estivador, mas fui um pouco de tudo. A polícia perseguia um capoeirista como se persegue um cão danado. Imagine só, que um dos castigos que davam a capoeiristas que fossem presos brigando era amarrar um dos punhos no rabo de um cavalo e outro em cavalo paralelo. Os dois cavalos eram soltos e postos a correr em disparada até o quartel. Comentavam até, por brincadeira, que era melhor brigar perto do quartel, pois houve muitos casos de morte. O indivíduo não agüentava ser arrastado em velocidade pelo chão e morria antes de chegar ao seu destino: o quartel de polícia".
Foi nesta
época que ocorreu o grande salto na história da capoeira. Insatisfeito com o
preconceito e a marginalização que a envolviam, mestre Bimba decidiu criar uma
variação da capoeira, e a chamou de Luta Regional Baiana. Preocupado com a eficiência
combativa da nossa arte-luta que, segundo ele, vinha sendo dissipada e perdida
pela ação do turismo (os capoeiristas envolviam-se muito àquela época com
apresentações para turistas, e a capoeira foi se transformando em show de
acrobacias e mandingagens, afastando-se de seu sentido original), Mestre Bimba,
preservando a movimentação original e os antigos rituais, introduziu
modificações baseadas em golpes de jiu-jitsu, da luta greco-romana, do boxe e
principalmente do batuque (luta de origem africana muito praticada na Bahia).
Como conta o Ten. Esdras Magalhães dos Santos (Mestre Damião), discípulo de
Bimba e precursor da capoeira paulista:
“na criação da Luta Regional houve a colaboração de Cisnando Lima, cearense ‘arretado’, profundo conhecedor de jiu-jitsu, boxe, luta greco-romana (...). Cisnando transmitiu a Bimba os seus conhecimentos, aos quais o Mestre associou golpes do batuque para elaboração da nova modalidade esportiva.
Decânio (Mestre Decânio, o mais idoso aluno vivo do Mestre Bimba) acentua, no entanto, que apesar de Cisnando apresentar os golpes e contragolpes daquelas lutas, a decisão final da conveniência ou não da inclusão dos mesmos na Luta Regional Baiana sempre foi do Mestre.”
(Esdras Magalhães dos Santos – Mestre Damião –, Conversando sobre Capoeira..., ed. do autor).
“na criação da Luta Regional houve a colaboração de Cisnando Lima, cearense ‘arretado’, profundo conhecedor de jiu-jitsu, boxe, luta greco-romana (...). Cisnando transmitiu a Bimba os seus conhecimentos, aos quais o Mestre associou golpes do batuque para elaboração da nova modalidade esportiva.
Decânio (Mestre Decânio, o mais idoso aluno vivo do Mestre Bimba) acentua, no entanto, que apesar de Cisnando apresentar os golpes e contragolpes daquelas lutas, a decisão final da conveniência ou não da inclusão dos mesmos na Luta Regional Baiana sempre foi do Mestre.”
(Esdras Magalhães dos Santos – Mestre Damião –, Conversando sobre Capoeira..., ed. do autor).
As
inovações de Mestre Bimba, ainda que tenham atingido os objetivos a que se
propunham, isto é, conferir maior eficiência combativa à nossa arte-luta, e
promover o seu reconhecimento social, geraram grande polêmica no seio da
comunidade capoeirística; muitos encararam-nas injustamente como uma
descaracterização das tradições da capoeira. O debate dura até hoje, exibindo
posições variadas. Parece-nos que a tensão gerada entre as duas “modalidades”
de capoeira é salutar: devemos, sim, preservar sempre as tradições, sem no
entanto nos fecharmos às inovações que representem real evolução.
1932: Mestre
Bimba funda, em Salvador, no Engenho Velho de Brotas, a primeira academia
de capoeira registrada oficialmente, com o nome de "Centro de
Cultura Física e Capoeira Regional da Bahia". 1937: Mestre Bimba (Manuel dos Reis Machado, 1900-1974), um dos "heróis culturais" da capoeira brasileira, consegue licença oficial que o autoriza a ensiná-la no seu "Centro de Cultura Física e Capoeira Regional", num período em que o Brasil caminhava para o pleno regime de força e que as leis penais consideravam os capoeiristas como delinqüentes perigosos. Qualificando o ensino de sua capoeira como ensino de educação física, a então Secretaria da Educação, Saúde e Assistência Pública expediu certificado de registro à academia de capoeira de Mestre Bimba, a primeira do gênero, a 9 de julho de 1937. A partir daí, a capoeira sairia das ruas e passaria a ser praticada no interior das “academias”, como ficariam conhecidas as escolas de capoeira.
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